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Autismo no mercado de trabalho: desafios e oportunidades

Nunca se falou tanto sobre inclusão no ambiente corporativo, e naturalmente o assunto também se estende para a discussão sobre neurodiversidade. Há alguns anos, falar sobre autismo no mercado de trabalho ainda poderia ser encarado como um tabu. Já que a falta de informação e também o preconceito poderia levar os empregadores a acreditar que um autista não tem a mesma capacidade de realizar tarefas sob pressão. Ou então, que seria impossível para eles criar relacionamentos favoráveis às atividades das empresas.

Mas, assim como a tecnologia evoluiu, as formas de organização dentro das corporações fez surgir novas possibilidades. Hoje, um autista ter uma carreira já é uma realidade e muitas empresas vem se conscientizando, para então incentivar e absorver o melhor que esses profissionais podem oferecer.

A inclusão de um autista no mercado de trabalho é garantida pela mesma lei que determina a participação mínima para portadores de qualquer deficiência. Foi a Lei 12.764, de 2012 – também conhecida como Lei Berenice Piana – que abriu as portas para o reconhecimento do Autismo dentro do rol das demais deficiências. Desde então, o autismo tem sido muito mais discutido e diagnosticado no país.

A seguir, você vai conhecer como as coisas funcionam no Brasil.

autismo no mercado de trabalho: mulher trabalhando

Autismo no mercado de trabalho: uma barreira a ser vencida

Apesar de uma previsão otimista para os próximos anos, dados do IBGE dão conta de que 85% dos autistas brasileiros estão fora do mercado de trabalho. É possível que a principal motivação para um número tão baixo aconteça por causa da ideia de imprevisibilidade dessas pessoas. O empregador, muitas vezes, não sabe o que esperar em termos de resultados e comportamentos.¹

Entretanto, se faltam oportunidades, certamente sobra potencial. Para Liliane Rocha, autora do livro Como ser um líder inclusivo, o que explica a lacuna da participação dos autistas nas empresas é a visão de um ser “exótico”, que não se encaixa em padrões vigentes. Segundo ela, que também é consultora de sustentabilidade e diversidade, a inclusão de profissionais com autismo no mercado de trabalho é capaz de gerar tanto resultado quanto o que se espera dos demais colaboradores. ¹

Como deve ser o espaço de trabalho

Mas é importante entender que empregar um autista, apesar de ser viável em muitos aspectos, o local e o modo de trabalho precisam de adaptações que minimizem as dificuldades naturais da condição.

Uma das primeiras coisas a que o líder deve se atentar é sobre preparar a equipe para receber o novo profissional. É preciso disseminar informações úteis sobre a condição de alguém com Transtorno do Espectro Autista, e incentivar o respeito às possíveis situações de isolamento e dificuldade de expressão.

Outra ideia que pode ser muito eficaz é atribuir ao autista apenas tarefas que demandem alta concentração, baseadas nas melhores habilidades dessa pessoa.

Abaixo, alguns exemplos de aptidões bastante comuns entre pessoas com TEA.2

  • Habilidades de lidar com questões lógicas e matemáticas
  • Inclinações para serviços visuais
  • Maior disposição às atividades repetitivas e metódicas, que possam manter uma rotina diária
  • Trabalhos que envolvam regras, padrões e conceitos muito bem definidos
  • Habilidade de lembrar fatos a longo prazo

Autista no ambiente de trabalho

Uma iniciativa que vem fazendo a diferença

À frente desse contexto de inovação, está a ONG Specialisterne, de origem dinamarquesa e há 3 anos com uma filial no Brasil. A ONG prepara jovens autistas de grau leve, ou seja, aqueles de alta funcionalidade, para atuar no mercado de trabalho. O autista passa por um período de preparação, onde suas melhores habilidades são identificadas e preparadas para preencherem uma possível vaga.

Assim que surge uma oportunidade em uma das várias empresas parceiras do projeto, a Specialisterne indica o profissional autista. A empresa passa a olhar não para os problemas relacionados à condição do candidato, mas para as habilidades reais que vão agregar ao trabalho. ³

Apesar de a ONG não garantir, necessariamente, uma vaga de emprego, a iniciativa se mostra muito importante para desmistificar o autismo no mercado de trabalho, pois já conseguiu empregar, aproximadamente, 93% dos seus alunos4

Ruth Rodrigues, uma das tutoras de formação da Specialisterne, explica que o trabalho não termina quando a empresa decide contratar um autista. Ela explica que a ONG faz um trabalho contínuo dentro das empresas para que, a partir do momento em que o profissional começa a exercer o trabalho designado, as expectativas sociais em volta sejam melhoradas. 5

Ruth comentou, em uma entrevista ao canal Futura, que a ONG vai à empresa semanalmente tirar as dúvidas dos demais funcionários sobre a convivência e adaptação da pessoa autista. A tutora comenta, ainda, que o perfil das empresas que contratam através da ONG é de marcas muito mais ligadas à tecnologia da informação.

Autistas no setor de tecnologia

Porque o setor de tecnologia contrata mais?

Quando se trata de empresas no ramo da tecnologia, a quantidade de contratação tem ido muito além das cotas. Isso se deve, em grande parte, às características mais comuns quando se trata da formação profissional de um autista. Ou seja, como citado anteriormente, os autistas possuem características lógicas, matemáticas e artísticas com grande desenvoltura, e é justamente de pessoas assim que esse mercado necessita.

Uma dessas empresas, a SAP, multinacional que desenvolve softwares, possui um programa de contratação chamado de Autism at Work (autistas no trabalho). Nesse programa, além de contratação de autistas para áreas específicas, também são feitos eventos educativos para orientar os demais funcionários.

Essa iniciativa, que propõe que o quadro da empresa com autistas seja de 1% (de um total de mais de 77 mil funcionários no mundo todo), tem feito a diferença. Para Márcia Machado, a primeira contratada pelo programa da SAP no Brasil, foi uma experiência agregadora começar a trabalhar num local onde as pessoas já sabiam sobre o autismo. Ela contou ao portal Canal Tech que uma de suas dificuldades eram as luzes dos escritórios. Mas Márcia passou a trabalhar de óculos escuros e a atitude foi aceita com naturalidade pela equipe.6

Benefícios da contratação de um autista

Além da desenvoltura de trabalhos metódicos, ficou claro para essas empresas que, por não seguir padrões comportamentais, os profissionais autistas podem acabar pensando “fora da caixa”, para diversas situações. Ou seja, contratar um autista pode se transformar numa ferramenta de inovação. 7

Através da parceria com a Specialisterne, o banco Itaú, uma das empresas que vem aderindo à contratação de autistas, já tem grandes conquistas associadas a essa atitude. Em 2018, numa reportagem do jornal Estadão, a empresa contou como o jovem Eryk Nakamura, a partir da alteração de um tipo de código, fez um procedimento diminuir o tempo de processamento de 48 horas para apenas 7 horas. Essa conquista gerou resultados reais e mais agilidade para as operações do Itaú. 8

Mercado de trabalho: autistas na universidade

Autistas nas universidades

Não há como falar de mercado de trabalho sem falar de educação. Afinal, para entrar num mercado extremamente competitivo, ainda é preciso que a pessoa autista tenha oportunidade nas universidades, cursos técnicos e outros modos de aperfeiçoamento profissional.

No Brasil, não há lei que garanta cotas para pessoas com deficiência para ingresso nas universidades, apenas para concursos públicos. Para uma pessoa autista conseguir uma vaga, ela deverá passar pelo mesmo processo de ampla concorrência.

O Censo da Educação Superior de 2019 contabilizou pouco mais de 1.500 autistas matriculados nas universidades, número que talvez seja ainda maior na prática, se considerarmos que muitas pessoas não declaram o transtorno perante a faculdade. O que, aliás, é uma das grandes dificuldades enfrentadas para criar estatísticas que ajudem a melhorar o trabalho das instituições nesse sentido 9

Entretanto, algumas universidades também vem se adaptando a essa realidade. É o caso da Universidade Federal de Santa Catarina, que instituiu, em 2013, o Núcleo de Acessibilidade Educacional. O núcleo é focado em 3 pilares: formação de professores para se adaptar às diferenças de cada aluno; formação de um currículo flexível, com adaptações e criação de novas metodologias de ensino; e estímulo ao convívio social e à integração.10

No Rio Grande do Sul, a UFRGS acompanha os alunos com deficiência pelo programa INCLUIR, o Núcleo de Inclusão e Acessibilidade. Nele, a universidade promove rodas de debate, eventos de capacitação e assistência estudantil. A psicóloga Camila Menezes Ferreira Guerreiro, uma das responsáveis pelo núcleo, contou à Revista Autismo que a faculdade entende que é o ambiente que deve se adaptar a essas pessoas, e não ao contrário9

Autismo no mercado de trabalho: as dificuldades sociais

A fórmula parece certeira: grandes empresas tomam consciência social, preparam o espaço e contratam cada vez mais pessoas com TEA. Mas a realidade pode ser muito  mais difícil para autistas que vivem fora dos grandes centros – onde, geralmente, estão as maiores corporações – ou que vivem em situação de baixa renda.

Nesse último caso, há ainda mais precariedade em relação ao diagnóstico. Para contratação de autistas, as empresas geralmente exigem um diagnóstico formal. Mas para chegar ao enquadramento clínico, são necessárias diversas análises que vão desde um pediatra até avaliações de psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos, entre outros.

Uma família pobre, que depende apenas do SUS, pode acabar desestimulada a continuar tratamentos essenciais, devido, principalmente, à demora de liberação de vagas no sistema público.

Quando o tratamento começa e é continuado desde cedo, a criança tem mais chances de que seu desenvolvimento permita, mais tarde, uma melhor adaptação em escolas, universidades e, consequentemente, a entrada no mercado de trabalho.

Infelizmente, no Brasil os problemas de educação são estruturais e estão longe da perfeição mesmo no ensino regular. Quanto mais no que diz respeito ao ensino de crianças e jovens com necessidades especiais. É muito provável que um autista de uma região pobre, fora dos grandes centros, não tenha as mesmas oportunidades que um de família com boas condições que viva em cidades onde há muito mais fatores de favorecimento.

autismo no mercado de trabalho

Autismo no mercado de trabalho: um desafio para os próximos anos

Empresas de pequeno porte podem até desejar, mas dificilmente terão vagas e oportunidade de adaptações e períodos de testes para os autistas. E o problema fica ainda mais complicado quando mais de 90% dos estabelecimentos no Brasil são empresas de pequeno porte.11

desafio para os próximos anos é a construção de uma sociedade que saiba equilibrar o suporte social às pessoas com autismo com oportunidades que melhorem a expectativa de vida dessas pessoas. A longo prazo, é preciso que a estrutura seja plenamente estabelecida desde o ensino básico, até chegar, de fato, ao mercado de trabalho e, após isso, em sistemas que permitam uma aposentadoria com qualidade.

“O Autismo em Dia não se responsabiliza pelo conteúdo, opiniões e comentários dos frequentadores do portal. O Autismo em Dia repudia qualquer forma de manifestação com conteúdo discriminatório ou preconceituoso.”

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