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Brasil x Singapura: 7 pontos que mostram o atraso da educação brasileira

O que o Brasil e a pequena Singapura têm em comum? Infelizmente, muito pouco. Enquanto o Brasil amarga resultados pífios nos testes internacionais que avaliam a qualidade da educação, a ilha asiática tem se destacado no topo do ranking, servindo de inspiração a diversos países do mundo que já começaram a copiar as premissas adotadas por Singapura para revolucionar sua educação. Mas, contrariando essa tendência, no Brasil, o sistema de Singapura ainda permanece praticamente desconhecido, relegado a umas poucas experiências pontuais, ou como um simples “método de ensino de matemática”.

“A educação em Singapura começou lá atrás, nos anos 70 e 80, quando o país decidiu implantar uma política educacional que integra quatro eixos: currículo de base para todas as escolas, livros didáticos, avaliação constante e formação docente”, explica a pesquisadora da área de educação Ilona Becskeházy. Para ela, é inadequado nomear como método as práticas educacionais adotadas por Singapura, que acabaram copiadas e replicadas em todo o mundo, ou ao menos nos países “mais civilizados” do ponto de vista educacional, como diz Ilona. Segundo ela, embora até seja vendido como sendo um “método”, a educação de Singapura está muito mais atrelada a uma política pública na área de educação.
Em 1965, quando Singapura se tornou um Estado independente do domínio britânico, a população do país era pobre e em grande parte analfabeta. Poucas pessoas tinham acesso à educação. Logo nos primeiros anos de independência, os governos entenderam que era preciso investir na educação e qualificação das pessoas. Como a ilha praticamente não dispõe de recursos naturais a serem explorados, a riqueza do país só poderia vir a partir do trabalho qualificado de sua população. Além disso, os investimentos na educação tinham outro objetivo: formar uma nação unificada de língua inglesa, uma vez que a população era formada principalmente por imigrantes chineses, malaios e indianos, com línguas bem distintas.

Matemática de Singapura
Um dos pontos que chama a atenção no sistema educacional de Singapura é o cuidado com o aprendizado da matemática. Entendido como ponto fundamental para compreensão e desenvolvimento do estudante em outras disciplinas e também para a vida cotidiana, o currículo de matemática dos estudantes das séries iniciais em Singapura é considerado um padrão a ser seguido e é bem diferente do adotado no Brasil.

Ilona Becskeházy estudou a fundo o currículo das séries iniciais de diversos países, incluindo Singapura, num estudo publicado no Relatório Nacional de Alfabetização Baseado em Evidências (Renabe), publicado no ano passado. No estudo, ela ressalta que, diferentemente do que ocorre no Brasil, o currículo de Singapura é muito detalhado e bem estruturado, contendo conceituações, objetivos e exemplos de atividades a serem adotados pelo professor. Já no Brasil, os textos disponíveis na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) são ambíguos, dispersos, com muitas questões alheias ao tema tratado.

“Em Singapura há uma progressão explícita, lógica e ordenada dos currículos, que traça um caminho claro a seguir. Em matemática, por exemplo, já no primeiro ano a criança aprende a noção de que a fração é uma parte do todo, passando depois para as representações de fração. No Brasil, só na terceira série é que ela vai aprender o que é metade, um terço”, exemplifica.

Para a educadora, de fato, o currículo em matemática adotado em Singapura é bem mais exigente, tanto para alunos quanto para os professores. Mas como os materiais didáticos são bem preparados e os professores treinados para trabalhar com esse currículo, o sistema dá resultado. “Se você olha para um livro didático de matemática de Singapura, vai ver uma matemática bem puxada, mas com exercícios muito bem calibrados para cada ano, com complexidade crescente”, diz Ilona.

Ela ressalta que além de um bom currículo, bons livros didáticos e professores preparados, as avaliações constantes de aprendizados, feitas por meio dos testes internacionais ou avaliações internas, completam o sistema. Elas são necessárias para mensurar se o currículo está sendo de fato ensinado às crianças.

Pensamento matemático
Outro ponto importante do ensino em Singapura é o desenvolvimento das habilidades de compreensão e de expressão, que se estende também para a matemática. Os estudantes são preparados para dar respostas sempre completas, compreendendo e sabendo como explicar como se chega a um determinado resultado ou como transformar um problema em uma questão matemática.

Esse cuidado, lembra Ilona, acaba tendo grande impacto nos testes internacionais como o Timms [Trends in International Mathematics and Science Study], que avalia a aprendizagem dos estudantes na área de matemática. “Assim como o Pirls [Progress in International Reading Literacy Study] na área de alfabetização, o Timms cobra respostas completas, não basta marcar um x na resposta correta”, explica a pesquisadora.

Os estudantes de Singapura são estimulados a descobrir soluções para problemas concretos – como avaliar em quanto tempo dois carros em velocidades diferentes vão chegar a um determinado destino, por exemplo. E depois precisam explicar como chegaram àquelas respostas. O domínio dessa capacidade de entender um problema e poder explicar como ele pode ser resolvido é considerado chave para o sucesso da aprendizagem – e não a mera memorização mecânica.

De acordo com a educadora, muitas das propostas usadas em Singapura – e em diversas partes do mundo com sucesso – podem sem implantadas no Brasil. Ela lembra, inclusive, que experiências como a de Sobral (CE), pequeno município que conseguiu revolucionar sua educação, tiveram inspiração em Singapura.

A cidade de Sobral se inspirou em Singapura para elaborar seu modelo de ensino que fez a cidade se tornar referência em educação.
Um exemplo disso foi a adoção de um currículo exigente e preciso, expressado em livros didáticos de alto nível, e monitoramento da aprendizagem segundo os padrões internacionais. “Em Sobral, nós não tivemos medo de colocar crianças da primeira série para aprender frações. Não é preciso ter medo”, salienta.

Veja a seguir alguns dos principais pontos da política educacional de Singapura, em comparação com o Brasil:

1. Currículos bem-feitos
Os currículos das disciplinas em Singapura são focados, detalhados, especificando todos os pontos que as crianças precisam dominar em cada série. Os tópicos também são alinhados de forma crescente, dos mais simples aos mais complexos, formando um todo coeso e coerente. Os professores têm noção exata do que se espera que ensinem e como devem fazê-lo.

Em Singapura, cada professor tem detalhes sobre o que deve ser ensinado e quais habilidades devem ser desenvolvidas nos estudantes de cada ano do ensino regular.
No Brasil, os textos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) são extensos, com linguagem empolada e recheados de questões e objetivos que fogem em muito das disciplinas. No currículo de matemática das séries iniciais, por exemplo, o documento brasileiro coloca como uma das competências específicas de matemática para o ensino fundamental: “desenvolver e/ou discutir projetos que abordem, sobretudo, questões de urgência social, com base em princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários, valorizando a diversidade de opiniões de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza dos objetivos”. O trecho, além de não ter nenhuma relação direta com a matemática propriamente dita, não vem acompanhado de instruções sobre a maneira como o professor deve trabalhar essa competência dentro da sala de aula.

Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), há pouco detalhamento de como o professor deve trabalhar cada tópico.
2. Professores treinados para ensinar
Em Singapura, os professores são formados para trabalhar de acordo com o que estabelece a base curricular da disciplina. O ato de ensinar é entendido como ciência, que deve ser aprimorado e estar em constante evolução. Eles passam por treinamentos contínuos e avaliações, recebendo incentivos conforme o desempenho. Durante sua formação, os professores trabalham intensamente métodos e técnicas de ensino, dedicando muito tempo a atividades práticas em salas de aula experimentais ou sob tutoramento.

Já no Brasil, embora os cursos de pedagogia e licenciaturas também tenham disciplinas voltadas para ensinar como o professor deve agir em sala de aula para poder ensinar, boa parte das cargas horárias é destinada a discussões relacionadas à sociedade e política. Também há imensa resistência por parte dos sindicados e organizações de professores em relação à implantação de sistemas de avaliação de desempenho dos docentes.

3. Livros didáticos condizentes com o currículo
Os livros didáticos usados em Singapura são totalmente alinhados com os currículos. A qualidade dos materiais didáticos é reconhecida internacionalmente, sendo até exportados para outros países. Já no Brasil, os livros didáticos são praticamente os mesmos há décadas, estando muito aquém dos que são usados no restante do mundo. No Brasil, apenas recentemente se propôs uma reformulação profunda nos livros didáticos, que foi recebida com resistência por integrantes de partidos de esquerda, como mostrou a Gazeta do Povo.

Exemplo de exercício de um livro didático de matemática em Singapura destinado a alunos do terceiro ano. Conteúdo está alinhado com base curricular do país.
Além de questões ideológicas, há resistência também por parte das editoras educativas.  “É claro que eles não querem mudar. Uma editora que há 10, 20 anos publica praticamente a mesma coisa não vai querer agora contratar um equipe para fazer uma coleção totalmente nova”, diz Illona.

4. Domínio de conteúdos
Em Singapura, a ideia é dominar um determinado conteúdo e não passar por ele de forma genérica. Por isso, a ênfase é em entender e saber explicar o processo que leva a um determinado resultado de um problema matemático. Os professores são treinados a trabalhar de forma a só passar a outro tema quando o anterior estiver dominado. Já nos currículos brasileiros, os estudantes “passam” várias vezes por temas similares ao longo da vida estudantil, mas sem se deter ou se aprofundar em cada um deles.

5. Além da escola
As crianças em Singapura não limitam sua jornada de estudos à escola. Há muitas tarefas para serem feitas em casa, e os alunos normalmente contam com o apoio dos pais ou outros familiares para estudar mais em casa. Famílias com mais condições também podem contratar tutores ou professores particulares para reforçar o que é aprendido em sala de aula. Essa dedicação é justificada porque em Singapura apenas os estudantes com os melhores resultados conseguem espaço nas universidades.

6. Habilidades do século 21
Além das habilidades referentes ao domínio de conteúdos, a educação em Singapura também busca desenvolver habilidades sociais e emocionais. Como defende o próprio Ministério da Educação do país, as crianças precisam desenvolver habilidades relacionadas à autoconsciência, autogestão, relacionamentos e tomada de decisões responsáveis, além de valores como respeito, responsabilidade, integridade, cuidado, resiliência e harmonia.

7. Valorização da pré-escola
O tempo que a criança passa na pré-escola é um período importante para a aprendizagem em Singapura. Dos 4 aos 6 anos de idade, as crianças podem frequentar a pré-escola, que possui currículo e metas de aprendizado, assim como as séries do ensino regular. Entre as metas para essa etapa estão o desenvolvimento de habilidades básicas de linguagem e alfabetização, leitura e uso de símbolos, desenhos e escrita para comunicar ideias e informações, além de temas relacionados à matemática, estética e artes e coordenação motora.

GAZETA DO POVO

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