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Meritocracia: ilusão, realidade ou necessidade?

Temos muito o que caminhar para equilibrar a balança e oferecer igualdade de condições. Mas pessoas continuarão sendo destacadas para assumir postos de responsabilidade, liderar times e conduzir projetos críticos, chame como quiser.

 

Já faz tempo que o conceito da meritocracia vem sendo questionado, mas tenho tido contato cada vez mais frequente com afirmações veementes a respeito da ineficácia desta prática. Filósofos e escritores que acompanho, além de alguns dos meus alunos e consultores de práticas não ligadas à remuneração, têm criticado a lógica, a viabilidade e as consequências deste instrumento vital para a gestão das carreiras nas organizações.

Uma das críticas se fundamenta no entendimento de que o mérito de um profissional, o qual premiamos (com dinheiro, com promoções ou por meio de reconhecimentos intangíveis), deveria ser consequência de muita dedicação ao trabalho, de forma que fôssemos todos potencialmente e igualmente elegíveis a ele. Mas, segundo os críticos, este conceito desconsidera elementos como sorte, habilidades pessoais e mesmo relações familiares e pessoais que contribuiriam para o sucesso de uma pessoa sem que necessariamente o tal esforço pessoal ocorresse.

Ou seja, eu posso me esforçar muito e não alcançar os mesmos resultados de outra pessoa que tenha sido beneficiada por fatores acessórios. Por isso parece injusto que o tal mérito tenha sido conferido a quem não se esforçou tanto. Também parece injusto não considerar que um time é composto por pessoas de diferentes perfis, sendo importante reconhecer a contribuição de todos.

Neste aspecto preciso fazer uma primeira consideração. Empresas precisam performar. Precisam crescer e gerar valor. Por esta razão, a relação entre receitas e despesas é sempre controlada, sendo comum a necessidade de se fazer escolhas entre investimentos, incluindo o investimento em pessoas. Neste caso, O QUÊ o profissional entrega e COMO ele entrega são considerados. Não é só seu histórico de resultados, nem seu esforço necessariamente. É também a “acabativa”, a agilidade, a disponibilidade, a qualidade, a habilidade de estabelecer relações, a capacidade de criar soluções, entre outros elementos. Cada situação vai demandar qualificadores diferentes que terão pesos distintos.

Então, se você é capaz de trabalhar duro para entregar sozinho uma demanda, isso pode valer tanto quanto fazer este mesmo trabalho conectando pessoas e pedindo ajuda de outros. No momento de conceder uma promoção, a empresa tende a escolher alguém com o perfil mais relacional para as posições de liderança e com o perfil mais técnico para as posições especialistas.

Temos assistido times de alta performance se formando para a resolução de problemas em squads e projetos, com cada membro sendo responsável por uma parte vital do trabalho. Neste contexto, o que faz mais sentido em termos de premiação é mesmo o foco coletivo. Ainda assim, em algum momento serão feitas escolhas para concessão de aumento e promoções. Pessoas performam e se relacionam diferentemente. E é isso que as empresas reconhecem.

Outra crítica ao sistema da meritocracia diz respeito às diferenças históricas de oportunidades entre gêneros, raças e classes, considerando as limitações educacionais que impediriam a igualdade.

Aí temos um real obstáculo a ser superado e um dilema a ser resolvido. Já podemos ver muitas empresas investindo em benefícios que viabilizem o trabalho de mulheres com filhos e também na formação de jovens e em programas de estágio e trainee mais inclusivos, que consideram o potencial do candidato, seu alinhamento cultural com a empresa, e não só o logotipo de universidades que tendem a excluir a população de menor renda. Mas o que iria efetivamente mudar o ponteiro da equidade seria o investimento público na educação. As empresas não conseguirão trazer todas as soluções enquanto o sistema político privilegia suas próprias regalias em detrimento da educação (da saúde, da segurança… e assim vai).

Temos muito o que caminhar para equilibrar a balança corporativa e oferecer igualdade de condições. Mas, em última instância, pessoas continuarão sendo destacadas para assumir postos de maior responsabilidade, para liderar times, conduzir projetos críticos ou responder pelo resultado final. E esta seleção depende de uma combinação entre entregas feitas e avaliação de potencial. Não precisa chamar de meritocracia se não quiser, mas as escolhas continuarão sendo feitas, porque não tem espaço para todos crescerem ao mesmo tempo.

 

Fernanda Abilel é sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração, e professora de remuneração no MBA de Recursos Humanos da FGV e na World at Work

 

 

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