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Geração Z e Simone Biles: quando é hora de dizer não no trabalho

Jovens vão além do salário e buscam propósito, práticas inclusivas e cuidado com saúde mental; apesar de mudança de cultura, mais jovens são mais vulneráveis na crise

 

Na última semana, a decisão de Simone Biles de não participar de cinco competições nas Olimpíadas de Tóquio para cuidar da própria saúde mental surpreendeu o mundo. Para uns, a ginasta favorita ao pódio desperdiçou oportunidades; para outros, ela soube reconhecer a hora certa de dizer ‘não’ para algo que a estava fazendo mal — e depois retornar para ganhar mais uma medalha. A atitude da jovem de 24 anos reflete o que a geração Z, à qual ela pertence, tem vivido no mercado de trabalho: uma busca por bem-estar pessoal que se alinhe com o propósito de gerar impacto social.

Uma pesquisa publicada em 2019 pela empresa de recursos humanos Capita People Solutions mostrou que 45% das pessoas entrevistadas no Reino Unido consideram deixar o emprego por causa do estresse gerado. E 53% conhecem alguém que se viu forçado a deixar o trabalho por esse mesmo motivo. Por mais que a pandemia tenha ampliado o debate sobre saúde mental, o medo de mostrar vulnerabilidade e ser demitido leva profissionais a omitirem os problemas que enfrentam, como ansiedade e depressão.

Enquanto muitos estão na omissão ou apenas na intenção, a geração Z — de nascidos entre 1995 e 2010 — está agindo. E isso é visto como positivo e autêntico. “Saber dizer ‘não’ é um ato de resistência, resiliência e coragem. Porque, quando a gente fala ‘não’, está de fato priorizando o que é mais importante para a gente”, diz Flávia Bedicks, cofundadora da Youth Voices Brasil (YVB), entidade que atua para erradicar a exclusão produtiva da juventude brasileira.

Ela avalia que essa geração é mais pautada pela experiência e pela instantaneidade e menos pela estabilidade. Erika Moraes, gerente de recrutamento da Robert Half, resume bem: “É a geração do ser, não do ter”. “A geração Z provoca questionamentos genuínos que transformam a nossa forma de pensar, agir e valorizar as coisas. Jamais se pensou em desistir na minha geração ou acima. Falar ‘não’ sempre foi sinônimo de fraqueza, mas a geração Z traz isso, de que é bom não estar só ligado ao dinheiro”, completa.

A gestora de projetos Tábata Romanhol, de 22 anos, é exemplo. “Gosto da instabilidade. Estar na bagunça e poder arrumar é algo de que gosto bastante.” Formada em secretariado executivo trilíngue, ela foi a primeira contratada em uma startup, no ano passado, onde teve de desenvolver projetos para captação de recursos e chegou a liderar um time. “Foi uma experiência muito incrível, vi a empresa crescer. Mas, de dois meses para cá, comecei a sentir uma angústia de tentar entender se eu estava satisfeita com o que estava fazendo”, relata.

O impacto superficial que ela via no trabalho começou a desmotivá-la e a levou a um período de autoconhecimento e reflexões. “Percebi que preciso muito de propósito, querer impactar as pessoas e o ambiente. Eu tive uma vontade imensa de explorar outros espaços e descobrir a Tábata em outros lugares. Não sei de fato do que gosto, e pode ser que eu goste de tudo e está tudo bem. Essa vontade de conhecer o novo, me ver em outros lugares e angariar repertório me levou a decidir sair da empresa”, conta.

O que a geração Z busca numa vaga

Atualmente, Tábata participa de processos seletivos e escolhe a dedo para onde quer ir. “A empresa onde trabalho foi indispensável para eu descobrir essas coisas e colocar esse filtro para as próximas empresas.” Entre os requisitos que para ela são inegociáveis estão: autonomia, menos burocracia para expor e realizar ideias, gestão horizontal, colaboração, flexibilidade para ser avaliada por resultados e não por horas trabalhadas, cuidado com a saúde mental e modelo híbrido, podendo trabalhar de casa e no escritório também.

Para esses jovens, o aqui e agora é muito mais valorizado. Anna Luisa Araujo, de 23 anos, é formada em relações internacionais e em novembro do ano passado começou a trabalhar em uma empresa de tecnologia com recrutamento internacional, onde diz ter aprendido muito. “Zero críticas à empresa, mas senti que faltava algo. Estar lá foi bom para ver o que eu valorizo num ambiente de trabalho, que é um lugar onde as pessoas se ajudem, tenha estrutura e objetivo maior do que só gerar lucros”, diz.

Mais consciente do que queria, a jovem se voltou a novas candidaturas e recusou ofertas que não faziam sentido para ela. Após sete meses do primeiro emprego, fez uma transição. Agora, é analista de relações governamentais e entende que trabalha não apenas para o próprio bem-estar, mas gera impacto para outras pessoas também.

“Hoje, eu estou muito feliz, não sei o dia de amanhã e não me preocupo em ficar três, cinco anos na mesma empresa. Como estou gostando muito do lugar, vivo um dia de cada vez, procuro cursos para me aprimorar, explorar a área, aprender bastante para o emprego que estou.”

Geração Z é catalisadora de mudanças

“O que caracteriza essa geração é não ser muito apegada a coisas que não seja a própria sensação de bem-estar. Eles querem se sentir bem e, se não estiverem, não ficam”, analisa o psiquiatra Eduardo Tancredi, diretor-médico da eCare Group. Ao escolher sair, os jovens acabam fazendo um favor às empresas, que, com a pandemia, perceberam ainda mais que profissionais felizes produzem melhor.

Essa mudança de compreensão está sendo catalisada pela geração Z. As questões de sustentabilidade, por exemplo, têm impacto direto com esses jovens mais cautelosos na hora de se locomover ou consumir, verificando antes o impacto no ambiente. “Esse cuidado pauta e muda o mindset das empresas quanto a ESG (sigla para princípios ambientais, sociais e de governança) e a gente vê grandes organizações e startups desenvolvendo sua marca empregadora nesse contexto para atrair esse jovem”, diz Flávia, da Youth Voices Brasil.

Porém, para as empresas, pode ser paradoxal querer atrair e reter um público cujo perfil é de mudança constante, que não se imagina no mesmo emprego por mais de três anos. Nascidos na era dos vídeos de 15 segundos (os stories das redes sociais) e formados na educação básica em frente a um computador, eles estão prontos para criar e inovar a cada pouco tempo. Ainda assim, é possível, basta ouvir o que esses novos profissionais querem, dizem os especialistas.

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Anna, por exemplo, considera que salário é importante, mas esse quesito deixou de ser a principal variável na hora de ela pesquisar e escolher um trabalho. “Para mim, é mais importante ter uma tarefa com objetivo de gerar impacto maior, um lugar alinhado com meus interesses, ambiente colaborativo, com pessoas que querem ensinar, que estão dispostas e tenha espaço para a gente crescer.”

Erika, da Robert Half, vê esses interesses com bons olhos. “Isso transforma a companhia como um todo, a empresa passa a ter propósito, dar espaço para a autonomia, a confiar no time. Você deixa de ser autoritário e passa a ter uma cultura participativa, de construção.”

Como as empresas podem agir com a geração Z

 

Mais do que oferecer benefícios, as empresas devem transformar a cultura organizacional, diz Eduardo Tancredi. Diretor-médico da eCare Group, empresa que também atua na promoção da saúde mental no ambiente empresarial, o psiquiatra conta que, há mais de dez anos, as companhias buscavam saber como impedir o adoecimento do funcionário. Hoje, a preocupação é como endereçar o problema quando ele surge e ajudar mais.

“Está mais do que documentado que investir em saúde mental é bom e traz resultados financeiros. A grande questão é como fazer isso: é preciso criar uma linguagem sobre saúde mental acessível a todos, capacitar alguém que, efetivamente, aja em prol desse ambiente. Vai além de capacitar o líder para identificar sinais de síndrome de burnout ou depressão, é olhar os aspectos individuais e criar flexibilidade para as necessidades de cada um”, diz.

Escolher é um privilégio

Quando se fala em saúde mental, Flávia chama a atenção para os jovens que estão fora do mercado de trabalho, sobre quem a pressão é maior. Relatório da Organização Internacional do Trabalho, de maio de 2020, mostrou que mais de um em cada seis jovens deixou de trabalhar desde o início da pandemia.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no quarto trimestre de 2020, a distribuição das pessoas desocupadas dos grupos de 25 a 39 anos (35,3%) e de 18 a 24 anos (29,4%) continuou a apresentar patamar superior ao estimado nos outros grupos etários. Para esses jovens, dizer ‘não’ é um privilégio.

“Nessa crise, eles estão mais expostos por serem mão de obra mais crua. Numa lógica fria, são os primeiros a serem demitidos. Essa exposição gera efeitos na saúde mental”, ela diz.

Outra pesquisa, promovida pelo Conselho Nacional da Juventude em maio do ano passado, ouviu mais de 33,6 mil jovens entre 15 e 29 anos, dos quais 70% disseram que o estado emocional piorou por causa da pandemia, sendo que ansiedade, tédio e impaciência são os sentimentos mais marcantes. “Esses dados mostram que algo precisa ser feito. Não é ‘mimimi’, não estamos falando de um público que não quer fazer nada ou se desenvolver.”

 

FONTE:TERRA

FOTO LEGENDA: Flávia Bedicks, cofundadora da Youth Voices Brasil.

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