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‘A gente sempre tem de testar nossa empregabilidade’, diz especialista em carreira

Falar sobre carreira, às vezes, pode ser como abrir uma caixa de Pandora: surgem dúvidas, frustrações, medos, inseguranças, reclamações e insatisfações. Tanto para quem ainda não começou a sua, quanto para quem já tem muitos anos de experiência, o problema pode ser não saber o próximo passo: que caminho escolher? Devo abandonar essa empresa? A questão também pode ser na comunicação com o chefe: como conseguir uma promoção? Devo dizer que não me sinto valorizado? Ou, até mesmo, questões ainda mais profundas: eu quero mesmo ser líder? Como saber o que eu quero fazer? Como definir o que é importante para mim?

Para chegar a essas e outras respostas, o processo pode ser de médio a longo prazo, mas a notícia boa é que há caminhos para isso, explica o especialista em carreira e educação corporativa Luciano Santos. Ele, que também é diretor de Vendas do Facebook e Top Voice LinkedIn, participou de um bate-papo no grupo do Estadão Carreira e Empreendedorismo e respondeu a dúvidas dos membros do grupo sobre carreira e mercado de trabalho.

 

Confira abaixo as perguntas e respostas do evento em texto e o podcast com a conversa completa:

É aconselhável aceitar ouvir novas propostas de emprego, mesmo trabalhando?

A gente sempre tem de testar nossa empregabilidade. Independente do momento que a gente está ou não na nossa empresa porque nunca se sabe como o mercado está reagindo. Então, lógico, e tudo tem que ser feito com muito equilíbrio, sem nenhum exagero, né? Mas eu falo que, de vez em quando, por que não dar uma olhada? Colocar o dedo na água e sentir a temperatura. Entender o que o mercado está pedindo, entender o que as posições estão pedindo, se tem um novo atributo, uma nova habilidade, né?

Eu falo que é muito perigoso a gente ficar um, dois, muitos anos no mesmo cargo e na mesma empresa, até mesmo quando a gente gosta desse cargo, desse trabalho, dessa empresa, sem saber o que está acontecendo ao nosso redor. Então, testar a nossa empregabilidade e entender o mercado, entender o que está sendo pedido, faz parte do ritual de crescimento da nossa carreira.

Então, a gente sempre tem que manter os ouvidos abertos, sempre tentar ter mais profundidade e conhecimento sobre o que está acontecendo no mercado, sobre a dinâmica desse mercado e, de novo. testar nossa empregabilidade e, claro, se veio uma proposta, depois que você fez tudo isso, por que não escutar? Eu falo que mudar faz parte do nosso crescimento profissional, mesmo quando essa mudança significa sair de um lugar que a gente gosta muito.

Sinto que os elogios dos meus superiores são maiores do que a quantidade de promoções que ganhei. Onde errei?

A gente não pode medir o nosso crescimento profissional ou até mesmo almejar uma promoção somente baseado na quantidade de elogios que a gente recebe. Eu não usaria isso como uma régua, como uma métrica para definir onde eu estou e como eu posso chegar até certo lugar, né?

O grande conselho que eu deixo aqui é que a gente precisa sentar com o nosso líder, com o nosso gerente direto e entender quais são as coisas que a gente precisa fazer para chegar até a próxima cadeira, até o próximo passo, até a promoção que eu quero. Eu preciso melhorar? Eu preciso, talvez, assumir algum outro projeto? Eu preciso entregar números melhores?

Os elogios são importantes, fazem parte de um processo de reconhecimento que todo líder precisa fazer, mas eles não tem que estar necessariamente atrelados a nossa promoção. Então, senta com o seu gerente, com o seu líder ou a sua gerente, a sua líder, né, e tem uma conversa sobre o que é necessário para chegar no próximo passo ou para ter essa promoção que você está procurando. Tente, ali, ter consciência de coisas que você precisa melhorar como profissional para chegar no lugar que você tanto gostaria.

Trabalho em uma empresa global e há três anos a matriz pede a minha promoção, mas a filial do Brasil nega. O que devo fazer?

Primeiro vamos desmistificar algumas coisas. Não existe isso de matriz e filial, né? Matriz e filial não decide nada, quem decide são pessoas que estão na matriz ou na filial. Então, existe uma pessoa lá na matriz que suporta e concorda com a sua promoção e existe uma pessoa aqui na filial do Brasil que não suporta ou não concorda.

O que eu faria se estivesse no seu lugar: eu entenderia muito bem, primeiro, quem são esses personagens, quem é essa pessoa lá fora que está incentivando e aprovando a sua promoção? E quem é essa pessoa aqui no Brasil que está falando ‘não, eu não acho que ele está pronto, por algum motivo’. Aí, principalmente na filial aqui do Brasil, na pessoa que está negando a sua promoção, você precisa encontrar alguma maneira de se comunicar com essa pessoa, seja o seu gerente, seja um diretor e perguntar por que você não consegue ser promovido, quais são as coisas que você precisa fazer, quais são os comportamentos que você precisa mudar, quais são as habilidades que você precisa adquirir para dar esse. passo.

Não é simplesmente olhar para o sistema e falar ‘a matriz quer, mas a filial não’. Isso não vai levar a nada. Sentar com os personagens envolvidos, principalmente o responsável pela decisão aqui no Brasil e entender os motivos, coletar feedback, coletar material para trabalhar e, assim, materializar a sua promoção. Talvez não exista espaço para promoção, mas, pelo menos, você vai ter uma informação mais consistente, mais coerente para dar o próximo passo.

Como saber qual é a hora de procurar novas oportunidades de carreira?

Eu sou da linha que acredita que a procura por novas oportunidades de carreira é constante. Não é algo que a gente liga e desliga, ela está sempre ligada e a gente sempre está de olho ou refletindo sobre as coisas que a gente quer com a nossa carreira. Nesse exato momento que eu estou agora, eu sei que eu trabalho com educação corporativa, que eu faço algumas coisas, mas eu sempre estou refletindo sobre o mercado, hoje em dia, está pedindo? Quais são as coisas, principalmente do tema que eu falo muito, que é a educação corporativa, que as pessoas querem consumir? Quais são as dúvidas que elas têm? Qual é o próximo passo?

Hoje eu trabalho com mentorias e palestras. Eu já escrevi livro. Mas o que eu posso fazer daqui a um ano? O que eu posso fazer daqui a dois anos? O que eu posso fazer daqui a três anos para continuar essa minha jornada? Então, a procura por oportunidades nunca cessa. O que acontece, às vezes, é você pensar ‘poxa, estou muito bem no emprego hoje, com um projeto legal, então vou colocar energia nesse projeto’. E tudo bem porque ele está se desenvolvendo, você está aprendendo, você está ali crescendo a sua carreira, mas lógico que paralelamente, quais são as coisas que você pode fazer? Às vezes, a gente vai colocar mais energia, às vezes menos.

Então, por exemplo, poxa, eu estou no meu emprego hoje, está muito legal, eu estou numa função X. O que eu posso fazer para crescer dentro dessa empresa? E será que eu deveria considerar outras empresas? Se eu considerasse outras empresas, quais seriam essas elas? Eu falo que todo profissional deveria ter uma listinha de cinco ou dez empresas dos sonhos. Então, eu não separaria entre momentos em que eu devo procurar novas oportunidades e momentos que eu não devo procurar. Eu vou nesse conceito de que isso sempre acontece paralelamente a tudo que está permeando a minha vida.

Quais são as dicas para quem se sente estagnado e não encontra mais sentido no que faz profissionalmente?

É muito comum nas minhas sessões de mentoria as pessoas chegarem até mim e falarem ‘Luciano, estou me sentindo estagnado. Eu não cresço mais, eu não estou me desenvolvendo e não vejo sentido, como você falou, no que eu faço profissionalmente. E aí quando eu pergunto o que a pessoa está fazendo a respeito disso, geralmente, a resposta é: nada. Eu não estou fazendo nada a respeito ou eu não sei o que fazer, eu não sei para que caminho ir.

Eu acredito muito no poder de fazer pequenas coisas todos os dias, no médio e no longo prazo. Poxa, hoje você está sentado numa cadeira, está se sentindo estagnado e não gosta do seu trabalho? O que você precisa fazer? Claramente, você precisa de um novo trabalho, de alguma nova atividade, de ação, de calor na sua vida. Então, pega ali uma listinha, pega um papel mesmo e escreve quais são as coisas que você precisa fazer para sair desses lugar que você está hoje.

Se você está estagnado e não encontra muito sentido, então, a primeira reflexão é sair desse trabalho. Quais são as primeiras ações para você sair desse trabalho? Eu preciso atualizar o meu currículo, preciso atualizar o meu LinkedIn, acionar a minha rede de networking, as pessoas que trabalharam com a gente, as pessoas que você conhece e que talvez poderiam te ajudar com uma recolocação. Ou, por exemplo, eu sei que para o trabalho que eu tenho hoje, eu preciso melhorar o meu inglês. Então, você tem a opção de fazer um curso, tem a opção de ler um livro, consumir conteúdos gratuitos, tem um monte de coisa hoje da língua inglesa, desde professores que dão aulas aberta até aplicativos de ensino que são parcialmente gratuitos.

Quando a gente se sente estagnado, quando a gente se sente paralisado até, a gente precisa gerar calor, a gente precisa fazer coisas. Então se você está se sentindo assim também, pega o papelzinho, faz uma listinha e vai item por item. Não precisa mergulhar de cabeça e gastar mil horas por dia fazendo aquilo, mas o que eu posso fazer meia hora hoje? O que eu posso fazer em uma hora amanhã que vai me levar em direção a todo lugar fora dessa estagnação, desse sentimento que eu tenho hoje?

Como lidar com um ambiente de trabalho que sei que posso me desenvolver, mas que é absurdamente tóxico?

Essa é uma pergunta bem sensível e muito importante. Acho que o primeiro pensamento que eu teria aqui é que a gente precisa construir uma balança muito boa para pesar as coisas positivas e as coisas negativas que existem nesse ambiente. Então, de um lado eu estou aprendendo uma linguagem, um produto, uma habilidade, entre outros. Mas, do outro, o que essa toxicidade significa? Ela tá minando o seu mental? Ela está te fazendo sentir mal? Ela está te afetando no dia a dia de alguma forma? Essa balança precisa ser olhada com muita seriedade Quando a gente fala de coisas que agridem a nossa saúde mental nem sempre vale a pena, né?

Uma segunda reflexão é: será que não é hora de olhar para um outro lugar? Será que vale realmente a pena se desenvolver num ambiente dessa forma? Eu acredito, e pode me chamar de eterno otimista, que existem muitos bons lugares pra se trabalhar, em que não vai existir essa toxicidade toda. Então, eu deixaria para você construir essa balança para ver se compensa ou não compensa, mas eu acho que no fundo o que vale mais a pena é pensar que, talvez você precise pagar um pedágio e ficar um pouquinho de tempo ali e procurar um lugar em que você tenha segurança psicológica para trabalhar. Esse é o lugar ideal, em que você pode se desenvolver e que sua saúde mental se sinta bem.

Como a gente pode definir o que é importante para a gente?

Isso é algo que raramente os profissionais fazem uma reflexão a respeito. Muita gente me procura nas sessões de mentoria falando ‘ah eu não gosto do meu trabalho’ e quando eu pergunto por que a pessoa não gosta do seu trabalho ela responde ‘por causa do meu chefe’ E ponto final, não tem mais nada lá. Às vezes, é o chefe, às vezes, é o salário, às vezes, é alguma outra coisa. Mas para todos esses profissionais que me procuram, eu sempre desafio todos a ter a mesma reflexão: o que é importante para você no trabalho?

Como a gente descobre isso? Parando e pensando a respeito. Eu trabalhei com uma pessoa muito boa que falava que três coisas o mantinham aí no trabalho: ele precisava estar deixando a marca dele, estar aprendendo e se divertindo. Se uma dessas coisas não estivesse lá, a luz amarela acendia. Se duas não estivesse, luz vermelha. Todo profissional deveria fazer o mesmo. No meu caso, eu quero sim deixar a minha marca, eu quero aprender, eu quero trabalhar com pessoas que me inspiram, eu quero flexibilidade, eu não aceito mais ir pro escritório cinco vezes por semana, isso não é valor para mim, e eu quero trabalhar com educação corporativa.

Como eu cheguei nesses pontos? Refletindo sobre eles. Eu falo que é uma reflexão que a gente precisa registrar. Eu sempre incentivo todo mundo a anotar porque isso muda. Se você perguntasse para o Luciano de alguns anos atrás o que é importante para ele no trabalho, talvez o dinheiro estivesse presente, talvez um lugar em que pudesse crescer rápido estivesse presente. Mas isso foi mudando através do tempo. Então, não tem um grande segredo para fazer isso. É simplesmente parar e começar a refletir sobre o que te move dentro do trabalho e, depois que fizer essa reflexão, anotar. Vai ser muito legal, vai trazer muito valor e a gente consegue observar como isso muda através do tempo.

Tenho 38 anos, ainda é cedo para querer e conseguir um cargo de chefia?

As pessoas sempre me perguntam sobre quando eu deveria ser um líder, se quer ou não ser um líder e como eu sei que esse caminho é pra mim. Eu acho que tem muito menos a ver com a idade e muito mais a ver com com a intenção. Existem vários pensamentos sobre liderança, algumas pessoas acham que liderança é algo inato, que a gente nasce com um dom. Eu não acredito muito nessa linha, eu acredito que é uma escolha. Eu escolho ser um líder e, a partir do momento que eu escolho ser um líder, eu preciso me formar um líder. Eu preciso aprender os atributos de liderança. Coisas como dar feedback, comunicar com estrutura, inspirar times, priorizar tarefas, pensamento estratégico. Tudo isso a gente aprende.

A grande dica que eu posso te deixar aqui é: escolha ser um líder. Se você já escolheu ser um líder, vá atrás de formação, de conhecimento e, lógico, precisa entender também na empresa que você está quais são os caminhos para isso, né? Como, por exemplo, se candidatar a alguma vaga ou ter uma conversa com o seu gerente ou com a sua gerente sobre as possibilidades de virar líder um dia.

Como a gente sabe se tem as aptidões necessárias para ser uma liderança?

O primeiro passo a gente já estabeleceu. Então, eu decidi que eu quero ser um líder ou eu quero tentar ser um líder. A partir daí há vários caminhos que a gente pode seguir. Um deles eu já citei na resposta anterior que é procurar formação. Há muitos cursos de liderança disponíveis no mercado, a gente tem bons canais do YouTube de pessoas que falam sobre liderança, a gente tem alguns influenciadores que discutem o tema. Então, a gente tem que começar a consumir esse conhecimento.

O segundo passo é o teste de liderança dentro do seu próprio trabalho. Muitas pessoas chegam para mim e falam ‘ah, Luciano, eu quero ser líder, mas ninguém vai me dar um time’. E eu falo que a liderança começa muito antes de você ter pessoas reportando para você. Ela começa quando um projeto está sob a sua responsabilidade e você tem que interagir com pessoas, você tem que dar os updates, você tem que fazer aquele projeto acontecer. Tem muita demonstração de liderança ali. A liderança acontece quando você ajuda outras pessoas. Uma forma incrível de exercitar liderança é ajudar pessoas novas no trabalho, explicar o dia a dia, as tarefas, a cultura.

A gente sempre pode pedir também para o nosso gerente, para onosso líder direto, tarefas, e iniciativas que permitam a gente exercitar a liderança. Então, é um caminho que tem que ser construído de diferentes formas e por muitos caminhos.

Como descobrir a minha vocação?

Eu vou trazer aqui duas reflexões. A primeira delas é o teste vocacional. Ainda existe isso no mercado até mesmo gratuitos online. Então, a gente sempre tem essa opção ou um profissional também que pode aplicar esse teste e te dizer ‘olha, você pode ir mais ou menos para esse lado ou para esse outro’.

A segunda reflexão é um pouco do meu próprio exemplo. As pessoas sempre falam: qual é o seu propósito? Qual é sua missão? O que você nasceu para fazer? E é difícil a resposta disso. O caminho que funcionou para mim foi experimentar muito. Eu experimentei muitas coisas e faço isso até hoje. Eu trabalhei com muitas coisas no começo da minha carreira, depois fiz toda uma carreira como executivo de vendas até onde eu cheguei hoje. Paralelamente à minha carreira de executivo, eu gostando dessa parte de mentoria, de educação corporativa, liderança e carreira, eu fiz muitas coisas, eu dei mentorias, eu dei palestras, eu escrevi a respeito e cheguei até a escrever um livro.

Mas só agora, aos quarenta e quatro anos de idade, eu realmente encontrei algo que eu gosto, que eu tenho paixão, que é educação corporativa. Só que eu falo que a gente não tem que se torturar por não saber o que quer. Enquanto a gente não sabe, vamos nos divertir na jornada, aprender coisas diferentes. Então, eu fui muito feliz na minha carreira, em trilhar o caminho até uma cadeira de executivo, mas a minha paixão está se materializando agora. Então, não se torture por não saber o que você quer, aproveite a jornada e uma hora isso vai acabar se materializando para você, se você realmente botar energia para achar.

O que é ser egoísta para sua carreira e como eu posso fazer isso?

Eu lancei um livro chamado ‘Seja Egoísta com a Sua Carreira’ e, às vezes, as pessoas torcem um pouco o nariz para essa questão do egoísta. Mas, na verdade, isso nada mais é do que uma provocação. Eu falo que, quando o assunto é a nossa carreira, a gente coloca energia, consideração, foco e um monte de coisas na opinião dos outros, dos nossos familiares, em ideias pré-concebidas, comportamentos que não ajudam. A gente coloca um monte de energia lá e menos no lugar que mais importa que é a gente.

A gente tem que se colocar em primeiro lugar. Eu acredito que, quando a nossa carreira vai bem, quando a gente vai bem, todo o resto vai também, incluindo o nosso emprego e a nossa empresa. Então, coloque a energia em você, tome as decisões em prol do que é bom para você, pensando em você em primeiro lugar, antes de todas as pessoas. A gente pode considerar tudo o que falam para a gente, tudo que mostram para a gente, mas, no final, a gente tem que passar isso pelo nosso filtro interno e fazer o que é melhor para a nossa carreira.

Estadão

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