Saiba como as redes sociais mudaram a linguagem digital e conheça a história das gírias brasileiras ao longo do tempo.
Considerado um recurso polêmico por muitos, as gírias são a marca viva da cultura e do tempo na língua falada e até mesmo na escrita de um país.
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Considerado um recurso polêmico por muitos, as gírias são a marca viva da cultura e do tempo na língua falada e até mesmo na escrita de um país.
No caso do português falado no Brasil, o universo das gírias brasileiras expressa o colorido das regiões, enchendo a língua portuguesa de carinho e graça. Por trás das gírias antigas conhecemos mais sobre a história do rock brasileiro, enquanto as gírias atuais nos remetem a uma linguagem digital, passando por grupos representados por estilos musicais, como é caso dos funk e do sertanejo. As gírias brasileiras são o registro linguístico da vida como ela é, assim como Nelson Rodrigues também eternizou em sua produção literária. Começando nossa jornada pelas nossas raízes, as palavras indígenas foram a origem de diversas gírias brasileiras que continuam atuais:
- Capenga: tudo que esteja com as pernas bambas ou sem apoio firme.
- Jururu: palavra indígena que indica estado de desânimo ou tristeza.
- Pindaíba: falta de dinheiro.
Como um país multicultural, muitas influências externas chegaram ao nosso país, sendo a africana uma das mais importantes. Algumas das gírias antigas de origem africana sobreviveram ao tempo e continuam sendo gírias atuais. Palavras como:
- Bunda: é um aportuguesamento do quimbundo mbunda.
- Caçula: filho mais novo.
- Moleque: menino.
As influências indígenas e africanas se espalharam pelo Brasil afora e as comunidades linguísticas foram sendo criadas, a partir daí as gírias paulistas, nordestinas, cariocas e das demais regiões do país surgiram. As gírias nordestinas representam a riqueza cultural desta região, tanto na literatura como na música. O Nordeste concentra uma parte importante do folclore brasileiro com forte influência africana e indígena do início da colonização. Essa região traz expressões como:
- Aperreado: é o mesmo que estar aborrecido, chateado.
- Avexada: apressada, impaciente.
- Mangar: é o mesmo que fazer graça com alguém.
Antiga capital do país, o Rio de Janeiro foi por centenas de anos o centro da política e da cultura do Brasil. Em 1808, a cidade recebeu a família real e se tornou capital da corte portuguesa, o que teve uma influência relevante na língua falada no Estado. Nos últimos 50 anos, o Rio se tornou uma das capitais da indústria cultural brasileira e com isso muitas gírias cariocas se tornaram conhecidas em todo o país:
- Papo reto: ir direto ao ponto.
- Sinistro: algo muito bom ou muito mau, dependendo do contexto em que é utilizada.
Mais recentemente, o estado se tornou o berço do funk e as gírias cariocas se multiplicaram em expressões como:
- Bonde: Grupo de amigos da mesma comunidade.
- Bolado: Surpreso, confuso ou preocupado com determinada atitude ou reação de outra pessoa. Aborrecido ou chateado.
- Free: de graça.
Já em São Paulo, as línguas indígenas foram absorvidas pelos bandeirantes, o que em grande parte explica a pronúncia do “R”. Com o fim da escravatura, São Paulo começou a receber imigrantes da Europa, em particular da Itália, o que pode ajudar a explicar a queda do plural em muitas situações.
Entre as gírias paulistas mais conhecidas hoje em dia se destacam:
- Moscar/moscando: estar por fora.
- Da hora: muito legal, bacana, positivo.
- Balada: qualquer festa ou lugar animado.
Nos últimos anos, com o crescimento das empresas de tecnologia na região da Faria Lima, foi formado um novo coração empresarial na capital e seus habitantes passaram a ser conhecidos como: Faria Limers. Com isso, as gírias em inglês do mundo corporativo se tornou marca registrada das gírias paulistas em expressões como:
- Insight: ideia repentina, percepção.
- Condado: região que abrange a zona da Faria Lima, do inglês county.
- Kick-off: reunião para informar e motivar os profissionais no início de um projeto.
Do centro do Brasil surgiram as gírias sertanejas como: agroboy (playboy do sertanejo, cara metido a rico do sertanejo).
O ano em que você nasceu determina a maneira como você fala?
A resposta é: com certeza. A língua traduz a realidade de um período, por isso sua forma e estrutura são fortemente influenciadas por elas. A independência do Brasil marca o início da transformação da língua do colonizador no idioma da nação brasileira. A partir dos anos 50, o americanismo chega ao Brasil e, com ele, novas gírias aparecem. Nesta fase, surge o conceito de adolescência manifestado pela a criatividade do rock. No Brasil, ele foi tropicalizado pelo movimento da Jovem Guarda que literalmente criou o universo das gírias dos jovens no Brasil. Expressões como as seguintes marcaram o período:
- Calhambeque: carro velho.
- Bicho: cara, mano.
- Sebo nas canelas: apressar-se.
- Grilado: desconfiado.
- Tutu: dinheiro.
Quem nasceu a partir dos anos 1960 até 1980 é chamado de Geração X. Essas pessoas ainda são focadas na busca pela estabilidade na carreira, a disciplina e o respeito pela hierarquia. Mas eles também reforçam a ideia de liberdade de serem e curtirem o que quiserem.
Considerados individualistas e competitivos, eles recebem uma forte influência da linguagem do marketing e da propaganda televisiva. As gírias dos jovens desta nova geração passam por lendas urbanas como uma fábrica de maionese que prometeu uma viagem que nunca aconteceu, o que teria dado origem à expressão “viajar na maionese” (delirar sobre coisas absurdas) ou ainda expressões como numa nice, o atual ficar de boas, que mostram a influência americana crescente. Apesar de hoje em dia serem consideradas gírias antigas, muitas das expressões que marcaram o período continuam sendo faladas pelas respectivas gerações.
Já os millennials foram marcados por uma época de forte transformação que incluiu a queda do muro de Berlim, a redemocratização do Brasil, o surgimento da internet e da globalização. Os millennials são questionadores, ávidos por desafios, preocupados com o meio ambiente e as causas sociais. Como foram os adolescentes desta geração os primeiros a ter contato com jovens de outros países, graças à internet, eles começaram a desenvolver uma linguagem digital nas salas de bate-papo onde surgem as primeiras gírias da internet.
Alguns anos mais tarde, assistimos ao nascimento das redes sociais onde o significado das gírias dos jovens se misturam no mesmo caldeirão: a língua local, gírias em inglês e a linguagem digital. Chegamos finalmente à Geração Z, com jovens que têm hoje entre 10 a 25 anos. Eles são os primeiros nativos digitais, nasceram em um mundo online e mobile que estava em pleno crescimento econômico.
Durante a adolescência foram atingidos por uma forte crise económica, o que de alguma forma ajudou a forjar um espírito ainda mais ativista que o da geração anterior.
Segundo uma pesquisa do Think With Google, 85% dos jovens da Geração Z estão interessados em voluntariado. Numa pesquisa da Box 1824, se mostrou que 63% da Geração Z defende os temas de identidade/igualdade entre as pessoas. Com o surgimento dos smartphones assistimos à explosão das redes sociais e das apps de mensagem como o Whatsapp. A linguagem digital começa então a se especializar para dar resposta aos diferentes formatos de canais de comunicação. Começam a surgir as gírias do WhatsApp e as gírias do Twitter bem como das demais redes sociais.
Eles também são mais críticos com o mundo digital e tentam se reconectar com o mundo offline. Uma parte significativa da geração Z prefere fazer compras em lojas físicas, valorizam a compra como uma experiência, mas não escapam à linguagem digital, já que estes momentos são frequentemente partilhados nas redes sociais.
Novas gírias populares, a linguagem digital e outras tendências
Nas últimas décadas passamos a utilizar a escrita de modo quase tão informal, quanto nossa própria fala e por conta disso a barreira entre o registo falado e o escrito do português já não é mais tão sólida e impenetrável.
No caso específico das redes sociais, a escrita precisa dar resposta a um imediatismo tecnológico. Por conta disso, as pessoas buscaram novas formas de expressões rápidas e funcionais para economizar tempo na hora de escrever. Além disso, ela realmente pretende reproduzir a oralidade, o que por vezes coloca a norma gramatical numa posição secundária. Esse processo fez com que muitas abreviações fossem incorporadas ao longo do tempo. Outras viraram gírias do WhatsApp ou se popularizaram tanto que se tornaram gírias da internet.
Entre as gírias do WhatsApp podemos destacar:
- Pprt: papo reto.
- Plmns: pelo menos.
- SLC ou SLC Cachorreira: sê é loko, que além de muito utilizado na internet também é bastante comum entre os artistas do funk.
Numa linha mais formal, o obg (obrigado) é agora bastante utilizado no mundo corporativo, especialmente em e-mails e mensagens. Quando visitamos as gírias do Twitter, uma das redes que mais sintetiza as diferentes correntes culturais do Brasil, as misturas ficam evidentes. Conheça algumas expressões populares:
- E choca zero as pessoas: indica que se trata de uma situação óbvia (vem sempre no final da frase).
- “old que”: designar algo que já é conhecido (seguindo a rota da influência americana no Brasil).
- Vtzeiro: pessoas que fazem tudo para aparecer (que vem da abreviação de VT para a palavra inglesa videotape).
Vtzeiro apareceu em todas as redes sociais, mas se tornou uma gíria do Twitter durante a transmissão do Big Brother Brasil. A expressão foi utilizada para fazer comentários sobre participantes que interagiram de forma forçada com o objetivo de ganhar mais destaque durante a exibição do programa.
Como as diferentes gerações usam emojis
Quando entramos no novo milênio decidimos que as palavras não eram suficientes e em 1999 o Japão inventou os emojis. Anos mais tarde, a Geração Z levaria a linguagem de imagens para um novo patamar: o Memethink.
Um pensamento baseado em imagens que legitima o componente emocional e coletivo da linguagem digital sobre o raciocínio lógico, o meme é a transposição da gíria escrita para a imagem e é tão popular no Brasil que em alguma medida toma o lugar das gírias brasileiras.
A cultura das redes sociais passou a influenciar o mundo offline e vice-versa. Uma das consequências mais evidentes é encontrarmos as palavras mais utilizadas na internet, os emojis e os memes em diversos programas de TV, na imprensa escrita, no rádio e no cinema.
O que esperar do futuro das línguas?
Segundo vários especialistas, a pandemia de Covid-19 pode ter acelerado o processo de transição digital em mais de 10 anos. Para muitos, ela representa o início efetivo do século XXI. Apesar do caráter trágico, as gírias do inglês que descrevem a pandemia foram traduzidas com muito bom humor em expressões como:
- Sossega-facho: lockdown
- Coronga: coronavírus.
A aceleração da transformação digital só aumenta a influência da tecnologia na comunicação, mas até aqui as escolhas linguísticas foram sempre norteadas por pessoas. O que mudou então?
Desde o início da pandemia, a comunicação virtual alcançou uma proporção sem precedentes e muitos momentos de convívio reservados ao mundo físico se tornaram online, entre alguns exemplos comuns podemos destacar: happy hours online, bares digitais e até mesmo os recrutamentos on-line que passam a ser organizados em torno das vantagens e desvantagens da linguagem digital.
Neste momento temos fortes indicadores de que estamos num momento de ruptura. Com a criação de chatbots e outros recursos de inteligência artificial a interagirem com as comunidades linguísticas, as escolhas começam a ser sugeridas por agentes digitais. Assim, a influência da tecnologia na comunicação só deve aumentar.
Qual é a língua do futuro ou quais serão as línguas mais importantes do futuro? É praticamente impossível saber, mas um olhar atento à nossa história nos permite concluir que pelo menos algumas das línguas mais faladas no mundo representam comunidades relevantes e de alguma forma continuarão exercendo influência no universo linguístico.
BABBEL